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Geografia

A DEMOCRACIA NO BRASIL

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A história da democracia no Brasil é conturbada e difícil. Vencida a Monarquia semi-autocrática e escravista, e após a fase democratizante mas turbulenta da República da Espada de 1889-1894, a República Velha conhece relativa estabilidade. É, porém, a estabilidade oligárquica dos coronéis e eleições a bico de pena, que após 22 entra em crise. Com frequência sofre o trauma dos estados de sitio, ante movimentos armados contestatórios ou disputas intra-oligárquicas que fogem ao controle, para não falar da repressão a movimentos populares.

A Revolução de 30 não efetiva sua plataforma de liberalização e moralização política. Vargas fica 15 anos à frente do Executivo, sem eleição. A ordem constitucional tardiamente instaurada com a Assembleia de 34 dura apenas 3 anos. Segue-se em 37-45 a ditadura do Estado Novo, com Parlamento fechado, partidos banidos, uma Constituição outorgada e ainda assim desobedecida, censura, cárceres cheios, tortura.

A democratização de 45 sofre o impulso externo da derrota do nazismo. Internamente não enfrenta maior resistência, até porque o antigo ditador adere a ela, decreta a anistia, convoca eleições gerais, legaliza os partidos. A seguir, o golpe de 29/10/45 e o empenho conservador do gen. Dutra impõem-lhe limites. O regime instituído pela Constituinte de 46 é uma democracia formal. As elites governantes da ditadura estadonovista reciclam-se, aglutinam-se no PSD e conservam sua hegemonia. O gov. Dutra é autoritário: intervém em sindicatos, devolve o PC à ilegalidade, atira a policia contra manifestações.

• A instabilidade é a outra marca da democracia pós-45

Após o golpe militar de 29/10/45, vêm os ensaios de ago/54, nov/55, ago./61 e outros menores. A UDN contesta as posses de Getúlio, JK e Goulart com apelos à intervenção das Forças Armadas. Confirmase a imagem, criada na Constituinte pelo udenista João Mangabeira, que compara a democracia a “uma planta tenra, que exige todo cuidado para medrar e crescer”.

O golpe de 64 trunca a fase democrática ao derrubar pela torça o pres. Goulart. Pela 1a vez no Brasil, as Forças Armadas não se limitam a uma intervenção pontual; assumem o poder político enquanto instituição, dando início a 2 décadas de ditadura.

A ditadura militar de 64-85 é a mais longa e tenebrosa fase de privação das liberdades e direitos em um século de República. Caracteriza-se pelo monopólio do Executivo pêlos generais, o arbítrio, a sujeição do Legislativo e do Judiciário, as cassações, a censura, a repressão militar-policial, a prisão, tortura, assassinato e “desaparecimento” de opositores. Sua 1a fase, até 68, conserva resquícios de ordem constitucional e impõe certos limites à ação repressiva; a 2a, de 68-78, à sombra do Al-5, leva ao extremo o arbítrio e a repressão; a 3a, crepuscular, é de paulatino recuo, sob os golpes de uma oposição que passa da resistência à contra-ofensiva.

A consciência democrática surgida na resistência à ditadura introduz um elemento novo na vida política. Pela 1a vez transborda de setores urbanos minoritários para as grandes massas, enraiza-se nos movimentos de trabalhadores das cidades e do campo, estudantes, moradores, intelectuais e artistas, ação pastoral da Igreja, órgãos de imprensa e outras áreas de uma sociedade civil que se organiza. Cria um vinculo em grande parte inédito entre direitos politicos e direitos econômico-sociais, um patamar novo de cidadania, mais abrangente e exigente. Sua expressão mais visível é a Campanha das Diretas-84. Depois dela, a ditadura negocia apenas as condições e prazos do seu desaparecimento.

A democratização de 85 é conduzida pêlos moderados do PMDB e a dissidência do oficialismo que forma o PFL. Após a derrota da Campanha das Diretas, adota a via de vencer o regime dentro do Colégio Eleitoral que ele próprio criou. Negociada com expoentes do Sistema de 64, traz o selo da conciliação, típico das elites brasileiras desde 1822. Mas traz também a marca da ebulição politico-social de massas que na mesma época rompe os diques erguidos desde 64. O resultado, expresso na Constituição de 88, é uma democracia mais ousada e socialmente incisiva, se comparada à de 45, embora sua regulamentação e aplicação permaneçam sempre aquém do texto constitucional.

O impeachment de Collor põe à prova as instituições da Nova República. Estas passam no teste sem quebra da ordem constitucional democrática, graças a intensa mobilização da opinião pública e a despeito do apego do presidente a seu cargo. Porém a emenda constitucional que institui a reeleição (28/1/97) e várias outras cogitadas pelo bloco de apoio ao gov. FHC (volta do voto distrital, fidelidade obrigatória, restrições à liberdade partidária) indicam que o regime político está longe de estabilizar-se.

O sistema de governo, presidencial ou parlamentarista. é submetido a plebiscito em 21/4/93, por determinação da Carta de 88. Embora as elites se apresentem às urnas divididas, o eleitorado reafirma o presidencialismo em todos os estados e por expressiva maioria (mais de 2/3). motivado em especial pela defesa da eleição direta para presidente.

O Brasil pós-30, visto em perspectiva, alterna longos períodos de ditadura e instabilidade e momentos, bem mais curtos e não menos conturbados, de certo revigoramento democrático (30-35, jan-out/45, 56-64). Em 7 décadas. apenas um presidente (Juscelino) consegue a proeza de eleger-se pelo voto, cumprir o mandato e empossar um sucessor também eleito, A democratização pós-85 ainda é apenas uma promessa de superação desse ciclo histórico.

As Forças Armadas intervêm pela violência na vida política da República, com frequência e desenvoltura crescentes, até estabelecerem seu monopólio sobre o poder com o regime de 64.0 jacobinismo republicano florianista desdobra-se no tenentismo dos anos 20 e desagua na Revolução de 30, já cindido em 2 vertentes opostas. Uma, nacionalista e com sua ala esquerda, engaja-se na campanha do Petróleo é Nosso, garante a posse de JK em 55 e Goulart em 61, forma o dispositivo militar do gov. Jango. Outra cria estreito vinculo com os EUA após a Campanha da Itália, assume a ideologia da Guerra Fria, empenha-se nos pronunciamentos militares de 45-61, protagoniza a conspiração anti-Jango e o golpe de 64. Entre outras coisas, 64 representa um ajuste de contas entre as 2 tendências, com a derrota estratégica embora não definitiva da 1a.

O regime militar degrada seriamente a imagem das Forças Armadas. Afora o desgaste inerente ao exercício de uma função alheia à sua natureza, o estamento militar arca com os revezes econômicosociais e, sobretudo, com o ónus da repressão, das torturas e assassinatos. Embora a maioria dos oficiais e praças não se envolva diretamente na ação repressiva, toda a corporação acaba afetada pela conduta dos órgãos de segurança e seu comando, que se confundem com ó regime.

A volta aos quartéis inicia longa e muda purgação. Porta-vozes militares opinam durante a Constituinte sobre o papel das Forças Armadas; mais tarde propõem o esquecimento do passado repressivo nos anos de chumbo; mas em geral silenciam, mesmo no delicado episódio do impeachment. Entretanto, o fim da Guerra Fria e a globalização sob a égide dos EUA reabrem o debate sobre Forças Armadas e soberania nacional em países como o Brasil, ao proporem, por exemplo, a internacionalização do combate ao narcotráfico, da preservação ambiental e em especial da Amazónia. Os militares brasileiros enfrentam, ao lado do peso do passado, do corte de verbas e da rebaixa dos soldos, o desafio de formular um pensamento estratégico pós-Guerra Fria.

Uma humilhante derrota macula os 1″ passos do parlamento brasileiro: a 12/11/1823 d. Pedro l dissolve pela força a 1a Assembleia Constituinte aberta 6 meses antes; o dep. António Carlos de Andrada, ao deixar o prédio cercado pela tropa, tira o chapéu com ironia para “Sua magestade, o canhão”. Cria-se ai um padrão: a submissão do legislador ao canhão.

O parlamento é débil desde o Império, onde o monarca nomeia os senadores e dissolve a Câmara quando lhe convém. Vinda a República, o pres. Deodoro decreta em 3/11/1891 o fechamento do Congresso, não etetivado porque o governo cai em seguida. A República Velha mantém o legislativo aberto, mas degrada-o com as degolas que manipulam sua composição. Após a Revolução de 30 o Brasil fica 3 anos sem Congresso [3.2], volta a tê-lo por outros 4 e passa mais 8 sem ele. A República de 45 em certa medida fortalece o legislativo. Mas o regime de 64 submete-o aos piores vexames, do simulacro de eleição de Castelo ao Pacote de Abril, passando pelo Al-5.

Os partidos políticos refletem essa debilidade, a vida democrática precária, intermitente ou inexistente, e certo pragmatismo da elite governante, avesso a engajamentos ideológicos ou programáticos. O sistema partidário brasileiro é frágil e instável inclusive em confronto com outros países latino-americanos.

Os 1° partidos assim chamados, das vésperas do Grito do Ipiranga ao início das Regências, não são organizações. nem sequer agremiações, mas correntes de pensamento, fluidas e imprecisas. Só no debate do Ato Adicional de 1834 formam-se o Partido Liberal e o Conservador, a 1a geração de partidos propriamente ditos.

A República varre com as agremiações da Monarquia e produz a 2a geração partidária. Sua característica é a fragmentação em legendas estaduais, acompanhando o federalismo centrífugo da época. Predominam os Partidos Republicanos, alguns formados antes de 1889 (o de SP é de 1873), todos (exceto, em parte, o do RS) com precária nitidez programática e estruturas fluidas, descentralizadas, assemelhadas a confederações de coronéis.

O Partido Comunista foge a esta e outras regras. Fundado em 22. como seção da 3a Internacional, com bases no movimento operário, tem caráter nacional e perfil programático e ideológico incisivo (revolucionário, marxista). Mesmo proibido, clandestino, perseguido, às vezes selvagemente (35-42, 64-79). mesmo assim atravessa as sucessivas gerações partidárias da República.

Os revolucionários de 30 não conseguem estruturar um partido próprio, permanecendo no estágio mais rudimentar dos clubes (Legião Revolucionária, Clube 3 de Outubro). As siglas criadas em 31-37 chegam a centenas, mais uma vez com abrangência estadual (a Ação Integralista é a exceção mais notável). O golpe do Estado Novo dissolve a todas, sem maior resistência, e assume o discurso de que os partidos são uma ameaça à unidade nacional.

A democratização de 45 introduz novidades. Os partidos da 4a geração ]têm, na maioria, caráter nacional, um mínimo de consistência programática e identidade própria. No entanto, as tensões políticas que se agravam levam ao seu esgarçamento, acelerado nos anos 60. As principais legendas se dividem em questões decisivas, cristalizando alas que atuam e votam à revelia das deliberações partidárias. A vida política e polarizada por coligações e frentes informais, que não coincidem com as siglas existentes, que João Mangabeira considera “mais partidas e partilhas do que propriamente partidos”. Uma reestruturação de vulto parece iminente quando sobrevêm o golpe de 64, preparado e desfechado à margem dos partidos; no ano seguinte, o Al-2 encerra a experiência pluripartidária.

O bipartidarismo imposto pelo Al-2 (27/10/65) realiza um antigo sonho conservador ao unificar na Arena o PSD e a UDN, sob a batuta do regime militar e com a tarefa de dar-lhe sustentação politico-parlamentar e eleitoral. No PMDB ficam os que se opuseram ao golpe, depurados pelas cassações. Seus defensores invocam o modelo dos EUA, e/ou a instabilidade derivada de um número excessivo (13) de siglas. Mas a experiência bipartidária acaba voltando-se contra seus autores, tendendo progressivamente a transformar cada eleição em um julgamento plebiscitário do regime de 64. A Arena, criada para ser governo, reflui, enquanto avança o MDB, a começar pêlos grandes centros urbanos. Antes de confrontar-se com uma derrota eleitoral decisiva que parece inelutável, o regime muda novamente as regras do jogo: encerra a 5a geração partidária, impõe a extinção compulsória da Arena e do MDB e a volta do pluripartidarismo.

O quadro partidário atual forma-se a partir da reforma de 22/11/79, em um quadro de ascenso dos movimentos politico-sociais de massas, fim do Al-5, anistia e retorno de certas franquias democráticas; o regime militar resiste, mas já em seu crepúsculo. Nesta 6a geração o corte não é tão abrupto: o PMDB é em essência continuação do MDB; o PDS-PPR-PPB dá sequência à Arena: o PDT recupera em parte a herança, o perfil e os quadros do PTB pré-65. O novo leque partidário sobrevive à democratização de 85, mas sofre deslocamentos de vulto: o PMDB, após as dissidências originadas pela reforma de 79. sofre em 88 outro cisma, que dá origem ao PSDB; o PSD divide-se na crise de 84, quando surge o PFL; em 85 o n° de siglas sobe bruscamente, para mais de 40, mas em geral sem maior expressão: os comunistas alcançam afinal uma legalidade relativamente estável; em 97 o PT, PDT e PCdoB formalizam na Câmara um bloco oposicionista.

As gerações partidárias brasileiras, em resumo, são; a fase preliminar dos partidos inorgânicos, somando 14 anos (1820-1834); a 1a geração, do Império, com 55 anos (1834-1889); a 2a, da República Velha, 41 anos (1889-1930); a 3a, pós-30, 7 anos (30-37); superado o interregno estadonovista, vem a 4a geração, com 20 anos (45-65); a 5a. pós-AI-2, dura 14 anos (65-79); e há a 6a, a partir da reforma de 79, ainda em curso.

O Congresso dos anos 90 funciona sem interrupções desde 15/4/77, um recorde não atingido desde 30. Forma o núcleo do Colégio Eleitoral que encerra em 15/1/85 o ciclo de 64. Atendendo a forte pressão da opinião pública, decide o impeachment de Collor (29/9-30/12/92). Entretanto, vive problemas estruturais e de imagem que permitem falar em uma crise do Legislativo.

A distorção nas bancadas estaduais na Câmara, acentuada pela ditadura e mantida pela Constituinte, dá ao eleitor de RR peso 18 vezes superior ao do de SP. Os estados menores são super-representados em detrimento dos maiores, também os mais urbanizados, com sociedade civil mais organizada e reivindicativa: SP conta 70 deps. federais (o teto permitido) quando a proporcionalidade indicaria uma bancada de 110.

A relação com o Executivo, vencida a coação ditatorial. não evolui para a independência e harmonia, O Executivo, na falta dos Decretos-Leis aprovados por decurso de prazo sob a ditadura, substitui-os pelas medidas provisórias, editadas e reeditadas com crescente semcerimônia pêlos presidentes da Nova República. Estes garantem maiorias parlamentares governistas em um balcão de negócios que vai do tisiologismo aético ao suborno ilegal; a gestão Sarney vale-se da outorga de 1.091 concessões de rádio e TV; em 16/4/97 vem à luz a denúncia, abafada mas não desmentida, da compra de votos de deputados do AC para votarem a emenda constitucional que permite a reeleição de FHC. A imagem do parlamento e dos parlamentares (malgrado as exceçòes) se degrada, associada à inoperância, oportunismo e corrupção, mas o descrédito, paradoxalmente, apenas reforça o status-quo.

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