É FACULDADE, MAS PARECE COLÉGIO
Imaturidade emocional e despreparado intelectual dos alunos fazem as
universidades se comportarem como escolasAlunos chegam atrasados,
conversam durante a aula e colam na prova.
Educadores, por sua vez,
distribuem advertências, expulsam de classe, ligam para os familiares e
agendam reuniões de pais e mestres. Há cinco anos, relações nesse
nível, envolvendo professores, estudantes e seus respectivos
responsáveis, eram exclusividade do ensino médio.
Hoje, no entanto,
esse é o tom em muitas faculdades privadas Brasil afora. E não é apenas
a falta de preparo emocional que leva o clima de colegial para os
corredores da faculdade. Os calouros chegam com déficit de aprendizado
e várias instituições têm oferecido disciplinas como português,
matemática e informática com conteúdo do ensino médio.
Situações como
essas mostram que a universidade está deixando de trazer consigo a
simbologia de rito de passagem da adolescência para a vida adulta e se
transformando numa continuação do colégio.”Percebemos que os alunos
chegam cada vez mais jovens, imaturos e com problemas de formação
básica”, atesta a professora Vera Lúcia Stivaletti, pró-reitora de
graduação da Universidade Metodista de São Paulo. Com a chegada desse
“novo jovem”, a educadora adaptou a instituição.
Desde 2007 ela recebe
pais para visitas guiadas ao campus e oferece aulas de português,
matemática, informática e biologia. A resposta tem sido positiva.
“Quando minha mãe veio para a reunião, meus colegas disseram que eu
deveria ficar com vergonha.
Mas eu acho legal”, confessa Gabriela
Schiovan, 17 anos, aluna de psicologia. Sua mãe, Sandra, 47, monitora
as notas da filha. “É preciso complementar a faculdade”,
considera.BÊ-Á-BÁ Curso superior ensina aluno a ler, escrever e fazer
contas Em instituições como a Escola Superior de Propaganda e Marketing
(ESPM), em São Paulo, a participação paterna é incentivada antes mesmo
do vestibular.
Há seis anos ela organiza o “ESPM Experience”, um dia
voltado para o debate de cursos e mercado de trabalho. “Depois que os
alunos são aprovados, organizamos reuniões com os pais e professores”,
diz Alexandre Gracioso, diretor nacional de graduação da ESPM. Lá e na
Fundação Educacional Inaciana, em São Bernardo (SP), os pais são
bem-vindos inclusive no dia do vestibular.
Enquanto os alunos fazem a
prova, eles vivenciam uma “inclusão acadêmica”, com visita monitorada,
palestras sobre o curso, carreira e mercado de trabalho. “Tentamos
mostrar que aqui tratamos o aluno como um futuro profissional”, diz
Rivana Marino, vice-reitora de Extensão e Atividades Comunitárias.
Mas
essa participação tem limites. “Muitos pais ligam para saber de notas,
mas acho isso prejudicial para os filhos”, diz Gracioso, da ESPM.Ao
mesmo tempo que lidam com a imaturidade emocional, as universidades
enfrentam o problema do despreparo intelectual.
Grande parte dos alunos
de primeiro ano chega ao ensino superior sem condições de aprender as
novas disciplinas. O problema atinge principalmente jovens vindos de
escolas públicas que vão para faculdades privadas inauguradas na última
década.
De 1997 a 2003, o ensino superior privado no País viveu um
boom. Nesse período, o total de novos alunos cresceu 150% – de 392 mil
para 1 milhão. Migraram para essas novas instituições jovens que não
pontuavam em universidades públicas ou particulares de tradição. A
solução foi criar, em caráter obrigatório e extracurricular, aulas com
conteúdo de ensino médio.
Na prática, transferiuse para o curso
superior o problema da péssima formação do aluno.A Faculdade
Alfacastelo, em São Paulo, abriu as portas em 2000 e há três anos dá
aulas de nivelamento, como é chamado esse reforço.
Durante o primeiro
ano, os calouros chegam 50 minutos antes para aprender gramática,
interpretação de texto e matemática. “Vejo problemas básicos, como
alunos que não sabem regra de três”, diz Celso Britto, diretor
institucional.
O Centro Universitário Celso Lisboa, no Rio, também
investe no resgate de disciplinas do ensino médio. Segundo Bruno
Corrêa, coordenador de vestibular, as aulas, que ocorrem desde o início
de 2007, reduziram o índice de trancamento dos cursos. “As desistências
atingiam 30% das matrículas do primeiro para o segundo período”, conta.
O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Ronaldo
Mota, reconhece a má qualidade do ensino no País e apóia essas
iniciativas. “Sei de casos em que o déficit de ensino foi superado”,
afirma.
Vale lembrar: oferecer aulas de nivelamento (ou adaptação
pedagógica) conta pontos para as instituições que as oferecem em
avaliações do Ministério da Educação e Cultura (MEC).
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