MACUNAÍMA – Mário de Andrade (Resumo) – Parte 1
Macunaíma não é uma leitura fácil. Trata-se de um livro “todo ele de segunda intenção”, no dizer de seu autor.
Com absoluta liberdade de criação, Mário de Andrade (1893-1945) construiu uma narrativa complexa, apoiada em vasta erudição folclórica, que, sob a aparência despretensiosa do registro lingüístico predominantemente coloquial, articula um enorme volume de referências culturais, históricas, geográficas, antropológicas, musicais, literárias etc.
Mesmo para o leitor experimentado, a compreensão da “fábula” macunaímica impõe a assessoria do Roteiro de Macunaíma, de Manuel Cavalcanti Proença, Morfologia de Macunaíma,
de Haroldo de Campos, para ficarmos em apenas duas obras indispensáveis, mas fora do alcance do vestibulando. Com isso, não se está dizendo que seja uma obra “impenetrável”, ou que sua indicação seja descabida, mas que se trata de um livro único, refratário a qualquer classificação, no qual cada brasileiro encontrará muito de si mesmo, ou de pessoas que conhecemos, em inúmeros episódios, nos provérbios, nas frases feitas, no “despropósito” de situações vividas pelo “herói da nossa gente”.
Macunaíma pertence à mesma safra das Memórias Sentimentais de João Miramar e de Serafim Ponte Grande e compartilha com as duas experiências mais radicalmente inovadoras da prosa oswaldiana o mesmo veio antropofágico, primitivista, crítico e libertário.
Macunaíma sai do paraíso amazônico do Uraricoera para conhecer todas as latitudes e longitudes do país: é um olhar brasileiro sobre o Brasil; Miramar e Serafim viajam pela Europa: são olhares brasileiros sobre as raízes cosmopolitas da nossa civilização.
Os três livros promovem uma revisão de valores desencadeada pelo choque entre momentos culturais distintos: exercem, antropofagicamente, a crítica devoração dos valores civilizados.
Erudito e popular, vanguardista e primitivo, cubista e folclórico, heróico e picaresco; rapsódia, romance, novela de cavalaria carnavalizada, romance de aprendizagem e fábula mítica; desmitificação do herói, mitificação do anti-herói; cômico e trágico, delirante e realista, nacionalista e crítico: todos esses elementos visam compor a síntese de um presumido modo de ser brasileiro – polimorfo, plurirracial, multicultural –, desconstroem e reconstroem nossa identidade étnica e cultural na busca do caráter nacional brasileiro.
Em sintonia com a corrente antropofágica do nosso primeiro modernismo, Mário de Andrade retoma o pensamento selvagem e, desse ângulo mágico, primitivo, no qual “tudo vira tudo”, inverte a convenção: não é o civilizado que observa o comportamento do selvagem, é o antropófago que canibaliza e interpreta o mundo que se diz civilizado. “Sou um tupi tangendo um alaúde” (Mário de Andrade, “O Trovador”, Paulicéia Desvairada).
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