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Geografia

A HISTÓRIA DO DÓLAR

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Durante a segunda metade do século XIX, a libra esterlina gozava da primazia como moeda internacional. De todas as suas possíveis ri-vais, o dólar norte-americano parecia ser a moeda que tinha menos possibilidades de substitui-la.

Os EUA eram um devedor internacional não muito confiável, que necessitava de um banco central e, inclusive, de um sistema monetário unificado. A preponderância do dólar’ só se impôs no século XX, depois de uma história longa e inverossímil que deu lugar, finalmente, à criação de um organismo bancário central, a Reserva Federal, e converteu o dólar em uma moeda nacional garantida pelo governo federal.

Ao contrário dos sistemas monetários europeus, a Constituição dos EUA, adotada em 1789, nunca outorgou a exclusividade de emissão de moedas e notas ao governo federal. A falta de uma legislação monetária clara deu lugar a uma infinidade de meios de pagamento que circulavam praticamente sem nenhum controle ou respaldo de um organismo bancário central. Nessa situação caótica, as moedas estrangeiras tiveram curso legal até 1857, e ainda em 1901 uma mina de prata de Oregon continuava cunhando suas próprias moedas de prata para “uso comercial”.

Como vários estados da União se encontravam na bancarrota por não poderem honrar suas emissões de papel-moeda, foram proibidos de emitir. Porém, nada os impedia de criar bancos, e estes podiam colocar cédulas em circulação livremente. Assim, o estado de Kentucky fundou um banco privado, do qual era o único proprietário, e começou a efetuar pagamentos com suas cédulas.

Essa tradição individualista em questões monetárias deu lugar a uma atividade bancária “descontrolada”, que se desenvolveu amparada por leis estatais muitas vezes extremamente complacentes (free banking laws) e que autorizavam qualquer indivíduo ou associação a abrir um banco e emitir cédulas, sem autorização ou controle algum.

A inexistência de um banco nacional obrigava o governo federal a fazer todas as suas transações através de estabelecimentos privados ou em espécie.

Em 1840, o presidente Martin Van Buren criou o “sistema de Tesouro independente”, que se ocupou das operações financeiras do governo através de suas agências abertas em todo o território nacional. Mas o Tesouro não era um banco e não podia, portanto, emitir cédulas; todos os lucros e despesas governamentais tinham que ser efetuados em ouro ou prata. O Estado não podia custear desembolsos que ultrapassassem os impostos arrecadados, a não ser que recorresse à emissão de obrigações subscritas em ouro.

OS GREENBACKS

As necessidades de financiamento da Guerra de Secessão (1861-65) deram origem a diversas disposições monetárias que permaneceram vigentes até o final do século. O Tesouro começou por emitir “notas à vista” (demand notes), que não tinham curso legal mas eram conversíveis em ouro.

Não obstante, a escassez de reservas de ouro do Tesouro obrigou a suspender imediatamente a conversibilidade, e até o fim da guerra o financiamento pôde ser feito graças à emissão de notas do Tesouro (US Notes), respaldadas apenas na boa-fé e na reputação do governo. Elas eram chamadas popular-mente de “notas verdes” (greenbacks), nome que ainda hoje o dólar norte-americano tem em todo o mundo.

A emissão das “notas verdes” estava limitada a 433 milhões, mas devido às crescentes dificuldades para obter empréstimos e ao crescimento dos gastos o secretário do Tesouro, Salman P. Chase, decidiu-aplicar em todo o país o sistema de livre criação de bancos, autorizado por uma lei de 1869, a National Bank Act.

Essa lei autorizava qualquer grupo de cinco pessoas a constituir uma “associação bancária nacional”e emitir notas correspondentes a suas obrigações do governo federal, depositadas junto ao Controlador da Moeda.

Para impedir a concorrência entre essas notas e as dos bancos estaduais, estes últimos tinham que pagar uma taxa de 10%, o que logo os levou a sair de circulação.

Os bancos estaduais contra-atacaram, oferecendo serviços de pagamento por cheque contra as contas em depósito, o que se mostrou um atraente substituto para as emissões dos bancos privados.

Assim, no fim da Guerra de Secessão a extraordinária diversidade de formas de pagamento, representando as obrigações de milhares de bancos, haviam-se reduzido às “notas verdes” e às notas dos bancos privados (chamados national banks), que não podiam ser convertidas em metal, mas cujo número estava estritamente limitado.

Nos EUA a oferta monetária ficava rigidamente fixada; não podia se ajustar às flutuações dos câmbios, nem às freqüentes ondas de pânico desencadeadas pela falência dos bancos carentes de regulamentação (dois anos depois da aplicação do sistema de livre criação de bancos, em Michigan, por exemplo, os 40 estabelecimentos bancários existentes haviam falido).

CICLOS AGRÍCOLAS E ESCASSEZ DE NUMERÁRIO

Por tratar-se de um país agrário, as necessidades de moeda dependiam do ciclo da colheita. Quando os agricultores vendiam seus produtos, os depósitos se acumulavam nos bancos das regiões agrícolas e provocavam uma escassez de fundos nos bancos das regiões industriais do Leste. Os national banks, não podendo ter sucursais, careciam de um mecanismo para canalizar os recursos excedentes.

Como não havia um banco central para emprestar reservas, não havia nenhum meio de enfrentar essas flutuações, exceto mediante a modificação brutal das taxas de juros e a declaração de falências dos bancos. Essa situação, agravada pela grande absorção de numerário de um Tesouro independente e a falta de uma regulamentação bancária estrita, provocava instabilidade extrema e freqüentes crises.

Para muitos,essa instabilidade devia-se à falta de numerário, que beneficiava os que estavam interessados em que a prata fosse a base do sistema monetário norte-americano Foi assim que William Jennings Bryan lançou um movimento em favor da “prata livre” (free silver movement), com o objetivo de poder cunhar livremente esse metal como dinheiro legal.

Em 1878 a lei Bland-Allison autorizou os bônus de prata do Tesouro, que se converteram em dinheiro legal em 1886. Em 1890 a Sherman Silver Act praticamente obrigava o Tesouro a adquirir a produção total das minas de prata dos EUA. Em 1882 foram adotadas medidas similares para os bônus de ouro, mas nenhuma delas deu à circulação monetária a flexibilidade esperada.

Esse sistema criou graves dificuldades não só internas, como também internacionais. Na verdade, a única maneira de compensar os câmbios da demanda interna de numerário eram as operações no mercado mundial; estas, por sua vez, provocavam uma instabilidade no funcionamento do sistema monetário internacional.

Isso foi o que aconteceu em 1893, quando se propagou bruscamente o medo de os EUA não respeitarem a conversão da dívida pública em ouro, saldando-a, ao invés disso, em prata, cujo preço nos mercados internacionais estava caindo, o que provocou uma fuga de ouro incontrolável e a falência de diversos bancos.

NASCIMENTO DA RESERVA FEDERAL

A fuga de ouro foi contida com a Gold Standard Act de 1900, que pôs fim ao bimetalismo, ajustou o dólar com firmeza ao padrão-ouro e obrigou os bancos privados a terem um respaldo nesse metal para a emissão de notas.

A quantidade de ouro nas mãos do público triplicou entre 1899 e 1910, como aliás a do Tesouro. O montante de ouro da reserva mundial correspondente aos EUA passou de 15′ a 30%, ao mesmo tempo em que muitos outros países (Áustria-Hungria, Rússia, Japão…) adoraram também o padrão-ouro.

À medida que a oferta se desacelerou, a acumulação de ouro nos EUA causou mais dificuldades do que a fuga desse metal, em particular porque o ouro que entrava no Tesouro só podia ser utilizado para financiar o déficit do balanço de pagamentos (que apresentava então um superávit).

O Tesouro, por ser um sistema independente, não estava apto a utilizar seu ouro como respaldo para emitir dinheiro nem para servir como credor de última instância.

Em 1907, os legisladores começaram a considerar a criação de uma instituição nacional que pudesse enfrentar as flutuações da demanda monetária de outra maneira que não a absorção de ouro do exterior. Essa instituição foi finalmente criada pela Federal Reserve Act adotada em 1913.

O território norte-americano, por aquela lei, foi dividido em 12 distritos, cada um com seu banco federal de reserva, cujo capital estava subscrito pelos privados que se viam, assim, forçados a aderir ao sistema. Este entrou em funcionamento no dia 2 de novembro de 1914. Os bancos federais foram autorizados a emitir um novo tipo de moeda, as notas da Reserva Federal, que era dinheiro legal para todas as dívidas e obrigações, tanto dos bancos quanto do governo dos EUA.

Essas novas notas deviam substituir as dos bancos privados, e a dívida que tinha servido de respaldo para estes deveria ser recolhida e paga com notas da Reserva Federal. A emissão estava lastreada em ouro em pelo menos 40 %, e o restante por valores comerciais e outros ativos idôneos adquiridos, mediante desconto, dos bancos privados.

Desse modo, supria-se a necessidade de criar um meio flexível de pagamento, que pudesse aumentar ou diminuir a oferta de moeda em função das exigências dos intercâmbios e da situação do sistema bancário. Um banco associado com escassez de divisas podia adquiri-ias descontando ativos em troca de cédulas da Reserva Federal.

Mas o Conselho da Reserva Federal, com sede em Washington e nomeado pelo presidente da República, exercia uma tutela problemática sobre os bancos federais, cujos proprietários e diretores eram banqueiros privados. Como não estava claro de quem dependia a política monetária, ‘cabia aos banqueiros sempre a última palavra.

No entanto, as duas condições necessárias para a ulterior supremacia internacional do dólar já existiam: a acumulação nos EUA de uma parte considerável da reserva mundial de ouro, o que obrigou o sistema monetário internacional a adotar um padrão-ouro de câmbio, e a unificação da moeda nacional, emitida por uma só autoridade com poder para atuar como garantidor de última instância.

A I Guerra Mundial debilitou o poder do Reino Unido, e a moeda norte-americana entrou no período de pós-guerra com uma paridade em relação ao ouro superior à da libra esterlina. Além disso, a economia dos EUA, após uma breve recessão, conheceria o período de prosperidade chamado de “os anos loucos da década de 20”, época áurea do rádio e do automóvel.

O CRISE DE 29

A entrada maciça de capitais de investimento nos EUA, provocada no início pelo crescimento rápido da atividade econômica e pela prosperidade do mercado acionário e, depois; pelas elevadas taxas de juros aplicadas com a intenção de pôr fim à especulação em Wall Street, acabou com a estabilidade das taxas de câmbio.

O crise da Bolsa em 1929 provocou inúmeras falências bancárias, que a Reserva Federal não pôde compensar. A derrocada dos valores de investimento levou a uma depressão mundial.

As provas inegáveis da generalização da fraude bancária, vindas à tona com esse desastre, evidenciaram as deficiências na função controladora exercida pela Reserva Federal e em sua capacidade de orientar a política monetária, a fim de proteger da falência até os bancos mais bem administrados.

Uma série de medidas – nacionalização do ouro, desvalorização do dólar a 35 dólares a onça de ouro etc. – assim como a Banking Act de 1935, que reforçava as atribuições do Conselho da Reserva Federal, deu lugar finalmente à criação de um sistema com atribuições equivalentes às de um banco central europeu.

Assim, o período entreguerras serviu para consolidar o poder da reserva monetária dos EUA e a estrutura de seu sistema financeiro. A partir desse momento, os EUA estavam preparados para tomar a frente de Londres no sistema internacional. Com a II Guerra Mundial, o Reino Unido passou da posição de credor a devedor internacional.

Os EUA tornaram-se o maior credor do mundo do pós-guerra. Todos os países que desejavam comprar mercadorias para a reconstrução tinham que adquirir dólares, o que transformou a moeda norte-americana na primeira moeda internacional.

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1. O dólar tornou-se uma unidade monetária por decisão do Congresso dos EUA em 1785. Sua base era a piastra-do-lera da América Latina, cujo nome deriva do thaler alemão.

2. No sistema do padrão-ouro, que prevaleceu até a I Guerra Mundial, as moedas, definidas por um peso em ouro, podiam ser convertidas livremente nesse metal. Os países que aderiam a esse sistema deviam manter reservas de ouro suficientes para garantir a conversão de suas moedas. No sistema de padrão-ouro de câmbio, as reservas consistem essencialmente em divisas que, por sua vez, podem ser convertidas em ouro.

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