Extrativismo
Antes de examinar a evolução histórica
do extrativismo é conveniente definir o conceito. O termo
extrativismo, em geral é utilizado para designar toda atividade
de coleta de produtos naturais, seja de origem mineral (exploração
de minerais), animal (peles, carne, óleos), ou vegetal (madeiras,
folhas, frutos…).
Há autores como Stephen Bunker (1985) que
incluem no conceito de extração as formas de produção pelas
quais uma região é progressivamente empobrecida, para
enriquecer outra região (este conceito inclui a pecuária e a
agricultura).
Há quem diga que a “extração”
significa qualquer forma de apropriação de recursos cuja ocorrência
natural não tenha sido intencionalmente aumentada para fins de
exploração. Esta definição incluiria o uso de recursos renováveis
e não renováveis, sem levar em conta os níveis de utilização,
quer sejam sustentáveis ou não.
Como o interesse é transmitir a experiência
das reservas extrativistas do Brasil, vamos entender o
extrativismo como a utilização sustentável proposta para as
reservas, ou seja, como a coleta racional na biota, de recursos
renováveis destinados ao mercado.
O Brasil herdou seu nome da extração do
“Pau-Brasil” (Caesalpínia eclimata). A
atividade extrativista tem sido uma constante da história econômica
do país. Durante a colonização praticou-se o extrativismo da
madeira e de minerais, especialmente do ouro.
A partir do século passado, o extrativismo
voltou-se mais para a Região Norte, atrás de madeiras, plantas
medicinais, cacau e seringueira. Durante este século, na região
Amazônica tem sido praticado o extrativismo principalmente da
borracha (Hevea brasiliensis) e da castanha (Bertolletia
excelsa); depois da segunda guerra intensificou-se o
extrativismo da madeira, que nos últimos cinco anos está sendo
melhor controlado. O extrativismo mineral tem sido incrementado
na região a partir dos anos sessenta, especialmente o do ouro,
ferro, bauxita e cassiterita.
Em alguns estados da Região Norte e
Nordeste pratica-se o extrativismo do babaçu (Orbygnia
martiana) e no Nordeste da carnaúba (Opernícia Cerifera).
Em outras regiões do país há localidades extrativistas de
madeiras, plantas medicinais e ornamentais, flores ou frutos
silvestres; especialmente há inúmeras comunidades dedicadas à
pesca artesanal.
A evolução histórica ora estudada, tem
como objetivo facilitar a compreensão do aparecimento das
reservas extrativistas ela não analisa o extrativismo do Brasil
como um todo, mas apenas os aspectos históricos que se
relacionam com as reservas. Assim sendo, será analisada
especificamente a evolução histórica do extrativismo na Região
Norte do país, onde estão concentradas as experiências com as
reservas.
O extrativismo na amazônia
O interesse econômico pela Amazônia
despertou-se no século XVIII mediante a procura das chamadas
“Drogas do Sertão”, plantas medicinais, óleos,
resinas, cacau, peles, peixes e carnes secas. Embora, naquele período,
tivessem sido estabelecidas, às margens dos grandes rios,
fazendas para pecuária e agricultura, – cacau, café, algodão,
– estas significavam muito pouco, quando comparadas com as
atividades extrativas. A participação dos índios e caboclos
muito contribuiu para o crescimento do extrativismo, mas os índios,
na maioria dos casos, eram perseguidos e obrigados a trabalhar
para os colonizadores. Não é significativa a participação do
negro no extrativismo na Amazônia.
A ocupação da Amazônia foi motivada pelo
extrativismo, especialmente durante a segunda metade do século
XIX, quando ao redor de 400.000 famílias vindas do Nordeste, lá
se instalaram, à procura da borracha, cuja demanda crescente,
nos Estados Unidos e na Europa, exigia um rápido aumento de
produção. Este foi o chamado “ciclo da borracha”, que
teve seus anos áureos na virada do século e seu declínio por
volta de 1920.
Durante a segunda guerra mundial,
incentivou-se novamente o extrativismo da borracha e milhares de
famílias nordestinas foram transportadas para os seringais.
Terminada a guerra, o governo procurou manter uma política de
incentivo ao extrativismo da borracha, com financiamentos para a
comercialização e o beneficiamento. Como os preços pagos ao
produtor não eram atraentes, o extrativismo passou por diversas
crises, fazendo com que nos últimos 10 anos grande número de
famílias tenha abandonado a atividade.
O extrativismo da borracha sempre esteve
ligado ao da castanha que é praticado nas mesmas áreas; o
primeiro, na época menos chuvosa (maio a novembro) e o segundo,
no período mais chuvoso (dezembro a março).
Caracterização do extrativismo da
borracha e da castanha
O extrativismo da borracha e da castanha
foi montado e se desenvolveu sobre dois grandes pilares: capital
forâneo e latifúndio. Foram duas condicionantes porque:
a) O empreendimento exigia capital,
formando uma corrente desde o exportador que financiava o
comprador na cidade, que por sua vez financiava os
compradores intermediários e estes aos seringalistas os
quais forneciam mantimentos aos seringueiros.
b) Para ser rentável, a extração
exigia o latifúndio, em razão da baixa densidade das
seringueiras e castanheiras na floresta.
O “Seringal tradicional”, expressão
sócio-econômica da Região, tinha as seguintes características:
- exclusividade do extrativismo e ausência
de agricultura;
- importação dos principais bens de
consumo, deixando os seringueiros em total dependência
do patrão;
- custo de produção garantido pelo
patrão, porém sem deixar margem de lucro ao seringueiro;
era uma maneira de não deixá-lo sair da atividade, pois
sempre era mantido como devedor do seu patrão;
- descontos excessivos na pesagem da
borracha e fixação de preços baixos.
Hoje existem poucos seringais funcionando
no modelo tradicional. Com a abertura de estradas e ramais e com
o avanço da fronteira agrícola, apareceram muitos intermediários
e aos poucos foi desaparecendo a figura do único patrão, dono
do seringal, o seringalista.
O extrativista tradicional
O extrativista tradicional da Amazônia
mora no coração da floresta, vive da coleta das riquezas
naturais, borracha, castanha e complementa sua renda com a caça,
a pesca, a coleta de frutos como açaí, abacaba e patoá.
Devido às distâncias impostas pela
dispersão das espécies produtivas (3 seringueiras ou
castanheiras por hectare), ele vive isolado. Sua característica
principal é a dependência total de patrões e comerciantes que
lhe fornecem os bens de subsistência em troca de sua produção.
Quanto ao trabalho, ele não tem vínculo
empregatício com o patrão, nem contrato de arrendamento; não
é dono da terra, mas tem direito a praticar o extrativismo,
contanto que troque a produção pelas mercadorias que o patrão
lhe traz; na verdade, troca sua força de trabalho pelo
abastecimento de bens não existentes na floresta.
O extrativista complementa sua renda com a
venda de produtos agrícolas ou de criações, mas ela é
drasticamente reduzida, em valores reais, devido aos preços
elevadíssimos que é obrigado a pagar pelos gêneros adquiridos
ao comerciante. Há casos em que o isolamento é tal que
impossibilita a comercialização dos bens produzidos pela família,
impedindo que a renda monetária familiar seja superior à renda
do extrativismo.
A maior parte dos extrativistas da Amazônia
mora em casas montadas como palafitas, com cobertura e paredes de
paxiúba e/ou palha; por baixo habitam patos, galinhas e porcos,
favorecendo a multiplicação dos insetos; em cima, a falta de
proteção facilita a invasão por agentes transmissores de doenças.
O quadro é agravado pela falta de hábitos higiênicos. As doenças
mais comuns são gripes, diarréias, verminoses e malária.
Nas regiões extrativistas, afastadas das
sedes municipais, não há escolas, e onde existem funcionam em
precárias condições. Daí ser o índice de analfabetismo
elevado (70%) e sem perspectivas de diminuição, porque as
escolas não acompanham o crescimento vegetativo da população.
Quase todos os extrativistas da Amazônia
pescam para completar sua alimentação; entretanto há famílias
que se dedicam exclusivamente à pesca, de forma artesanal; estes
podem ser considerados como extrativistas da fauna ictiológica e
não devem ser confundidos com os pescadores industriais que
chegam de outras regiões, com barcos equipados e praticam uma
pesca com objetivos de comercialização nas grandes cidades. Os
recursos pesqueiros e madereiros são os mais explorados da Amazônia,
infelizmente por grandes grupos econômicos.
O extrativismo do babaçu
O babaçu, palmeiras dos gêneros Arbignya
e Ahalea, é explorado especialmente no Estado do Maranhão,
embora exista em outros Estados. Infelizmente, nas áreas de
maior ocorrência, houve nos últimos 30 anos implantação de
fazendas de gado, gerando problemas para as 400.000 famílias que
auferem a maior parte da sua renda do extrativismo do babaçu.
Antes da implantação das fazendas, a coleta do babaçu era uma
atividade livre e espontânea; atualmente os fazendeiros além de
derrubarem a maioria dos babaçuais, nos restantes proíbem a
coleta. Surge a necessidade urgente de criar unidades de conservação
que defendam tanto as espécies como, principalmente, permitam a
sobrevivência das famílias.
A diminuição do extrativismo na Amazônia
Durante 20 anos, de 1965 a 1985, o Brasil
praticou uma política de ocupação da Amazônia, e de expansão
da sua fronteira agrícola. Para tanto abriu estradas, distribuiu
terras, organizou colônias e deu inúmeros incentivos,
especialmente de crédito subsidiado, para instalar fazendas
agropecuárias e empreendimentos madereiros na região. Esta política
de destruição da floresta aniquilou o extrativismo em várias
regiões, como por exemplo, no estado do Pará, onde foram
derrubados os castanhais mais ricos do pais, ou no estado de Rondônia,
onde na área de influência da estrada BR 364, desapareceram
seringais e castanhais. Desapareceram também diversas áreas
extrativistas em Mato Grosso, Maranhão e Acre.
Este avanço da fronteira agrícola sobre a
Amazônia, desestruturou o extrativismo em diversas regiões,
transformou áreas extrativistas em pasto para gado e
extrativistas em peões ou pequenos agricultores.
O que impediu que continuasse a devastação
foi a pressão dos próprios moradores, que expunham suas vidas
em defesa da floresta, e a pressão de instituições
internacionais e nacionais. O próprio governo, a partir de 1985,
começou a tomar consciência da importância da conservação
das florestas.
A ação das madereiras na Amazônia
A extração de madeiras da Amazônia, para
exportação, ou para consumo nos grandes centros urbanos
nacionais, nunca foi uma atividade típica dos moradores da
floresta. Foi sempre iniciativa de grandes empresas, que colocam
na linha de frente intermediários. Estas empresas contam com o
incentivo governamental que aos poucos vem diminuindo e muitas
delas burlam a legislação ou abusam das concessões obtidas.
Os autênticos habitantes da floresta
utilizam as madeiras, de forma artesanal, nas próprias moradias
ou nos meios de transporte (pequenos barcos ou canoas); os
colonos, fixados ali pelo governo, quando pressionados pelos
madereiros, chegam a vender as madeiras a preços irrisórios. Os
colonos instalados pelo INCRA no Pará, Rondônia e Acre até
hoje vendem madeira aos intermediários.
Esta pressão dos madereiros tem aumentado
muito e, infelizmente as pesquisas constatam que nas regiões de
várzea, também os moradores tradicionais vendem madeiras aos
intermediários (Whitesell, 1993).
O extrativismo mineral na Amazônia
Na Amazônia, devido ao seu rico potencial
mineral, tanto o governo, como a iniciativa privada tem praticado
o extrativismo mineral nos últimos 30 anos. Grandes projetos
como Carajás e Rio Trombetas no Pará extraem ferro e bauxita;
Serra do Navio no Amapá, extrai manganês, Serra Pelada no Pará,
extrai ouro; em Porto Velho extrai-se a cassiterita. Porém em
muitos rios e em áreas indígenas, clandestinamente é praticada
a garimpagem, uma das maiores degradações ambientais na Amazônia,
inclusive poluindo as águas; o governo constantemente está
combatendo tais ações.
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