Década de 2020 deve consolidar poder dos BRICs
Os anos 20 deste século podem marcar a consolidação
do fortalecimento de países emergentes como potências econômicas e
políticas, em um mundo cada vez mais multipolar. Segundo acadêmicos e
instituições de pesquisa, os chamados BRICs (Brasil, Rússia, Índia e
China) serão peças-chave dessa nova ordem.
Para
investigar que desafios cada país do BRIC terá pela frente, no caminho
para se tornar uma potência em 2020, a BBC Brasil produziu uma série
especial que começa a ser publicada nesta segunda-feira, reunido
reportagens multimídia de nossos repórteres no Brasil e enviados
especiais a Rússia, Índia e China.
Em
2020, com 3,14 bilhões de habitantes (40% da população mundial naquele
ano, segundo projeções da ONU), eles devem chegar mais perto das
economias do G-7, após terem crescido a taxas muito superiores às de
nações ricas.
O National Intelligence
Council, entidade do governo americano ligada a agências de
inteligência, prevê que já em 2025 todo o sistema internacional – como
foi construído após a Segunda Guerra Mundial – terá sido totalmente
transformado.
“Novos atores – Brasil,
Rússia, Índia e China – não apenas terão um assento à mesa da
comunidade internacional, mas também trarão novos interesses e regras
do jogo”, afirma a instituição
“Muito
provavelmente, por volta de 2020 vamos nos dar conta de que existe um
equilíbrio muito maior no mundo em termos econômicos e políticos com o
fortalecimento de países emergentes como China, Índia, Brasil e Rússia.
Com um maior poder econômico, virá também um maior poder político e uma
participação ativa desses países em organismos internacionais”, disse à
BBC Brasil Stepháne Garelli, professor da Universidade de Lausanne, na
Suíça, e autor de um estudo que traça cenários para 2050.
Conceito complexo
O
conceito de sistema multipolar é complexo e, ainda que boa parte dos
analistas concorde que o mundo caminha para isso, o tempo que levará
para que a China tenha voz no Fundo Monetário Internacional (FMI), o
Brasil tenha um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ou o
Banco Mundial seja dirigido por um russo ou indiano variam muito.
Mas
a discussão já não se limita mais ao meio acadêmico. Diferentes
aspectos do que pode vir a ser um mundo multilateral (ou multipolar) já
começam a aparecer em discursos de autoridades que estão no centro do
processo de tomada de decisões internacionais.
Um exemplo
recente vem de Gordon Brown, o primeiro-ministro britânico, que, às
vésperas do encontro do G-20, em Londres, declarou no Brasil que “o
tempo em que poucas pessoas mandavam na economia acabou”.
Também às vésperas
do encontro, o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, disse em
entrevista a uma TV francesa que “soluções globais supõem que a
governança de instituições como o FMI seja mais legítima, mais
democrática, com espaço para os países emergentes e pobres”.
Reunião do G-20
A
reunião do G-20, grupo que une países emergentes aos países-membros do
G-8, pode ser vista como um sinal dessas mudanças. A voz dos emergentes
no cenário de crise ganha especial relevância.
Segundo
boa parte dos analistas ouvidos pela BBC Brasil, eles não apenas serão
menos afetados do que os países desenvolvidos pela crise, como também
podem se recuperar mais rapidamente.
Essa possível recuperação mais rápida se baseia em alguns pilares que serão também propulsores do crescimento de longo prazo.
“A
situação das economias desses países é muito diferente. Mas, de maneira
geral, os BRIC estão mais bem posicionados para a recuperação do que
muitas outras economias”, disse Markus Jaeger, responsável por análises
de longo prazo no Deutsche Bank.
Para
Alfredo Coutinho, analista mexicano da agência Moody’s nos Estados
Unidos, a crise revela ainda a vulnerabilidade das economias
desenvolvidas e deixa clara a necessidade de equilíbrio na economia
global.
“É uma oportunidade para as economias emergentes, que devem liderar a recuperação”, disse Coutinho.
Crise
Em
entrevista à BBC Brasil, Jim O’Neill, economista-chefe do Goldman &
Sachs, que criou a sigla BRIC em 2001, prevê que a crise até mesmo
acelere a escalada dos emergentes, e diz que já em 2020 a economia
desses quatro países encoste nas dos países do G-7, o grupo das atuais
nações mais ricas do mundo.
Não faltam
céticos em relação à projeção de O’Neill. John Bowler, diretor do
Serviço de Risco por País (CRS na sigla em inglês) da Economist
Intelligence Unit é um deles.
“Acho que
esse processo será mais demorado. Há uma série de obstáculos à
confirmação dessas projeções tanto no campo econômico quanto político”,
disse Bowler.
Apesar das ressalvas feitas por muitos dos ouvidos pela BBC Brasil, o “otimismo” de O’Neill não é isolado.
Um
relatório da consultoria Ernst&Young, Global Megatrends 2009, por
exemplo, afirma que “a fome de crescimento, junto com a rápida
industrialização das economias e populações em expansão, põe os
emergentes no caminho da recuperação mais rapidamente, e os países do
BRIC são claramente os atores principais”.
Essa
fome de crescimento vem, em parte, da nova classe média que tem
revolucionado o consumo nesses países. Segundo o Banco Mundial, 400
milhões de pessoas se encaixavam nessa categoria em 2005 nos países em
desenvolvimento. Em 2030, deverão ser 1,2 bilhão de pessoas.
“A
classe média, principalmente dos países do BRIC, será o novo motor da
economia mundial”, prevê Stepháne Garelli, da Universidade de Lausane e
diretor do índice de competitividade, publicado pelo Institute of
Management Development, que avalia 61 países em 312 critérios.
“É
uma classe média ávida por comprar seu primeiro carro, seu primeiro
celular de última geração. Não é conservadora como a classe média do
atual mundo rico. Ela quer ‘comprar felicidade'”, acrescentou.
Padrão de vida
O
valor do PIB dará posição de destaque a esses países no ranking global
de economias, mas não será suficiente para levar as populações desses
países a padrões de vida próximos ao dos países hoje considerados ricos.
O
PIB per capita da Índia, por exemplo, deverá praticamente dobrar num
período de 15 anos até 2020, segundo um estudo do departamento de
pesquisas do Deutsche Bank. Ainda assim, representará apenas 40% da
renda per capita nos Estados Unidos.
De
olho em indicadores como o PIB per capita, Françoise Nicolas,
economista do Instituto Francês de Relações Internacionais, prevê a
ascensão das “superpotências pobres”.
“Será
um mundo multipolar bizarro. Os BRIC serão superpotências pobres com
mais peso econômico, mas o discurso ainda não estará no mesmo nível dos
países ricos”, prevê Nicolas.
Além da pobreza, esses países enfrentam outros desafios, como a proteção ao meio ambiente.
“Eles
querem ter maior poder de decisão e, ao mesmo tempo, em certas questões
como o meio ambiente, querem continuar a ser tratados como países
emergentes, que não podem cumprir as mesmas exigências dos ricos”,
disse Thomas Klau, chefe do escritório de Paris do Council of Foreign
Relations.
*Colaboraram nesta
reportagem: Bruno Garcez, da BBC Brasil em Washington, Daniela
Fernandes, de Paris para a BBC Brasil, e Marina Wentzel, de Hong Kong
para a BBC Brasil
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