O ENEM, Vestibular e o hibridismo
Nos últimos dias a comunidade
universitária tem sido ‘bombardeada’ com a possibilidade de extinção do
concurso vestibular para o ingresso. Para alguns a proposta é boa. Para
outros é ruim. Há o terceiro grupo do tanto faz. O caso tem vários
aspectos, sendo que alguns tentaremos discorrer brevemente aqui.
Inicialmente é preciso citar que a idéia de usar o ENEM para substituir
o vestibular partiu do criador deste, o ex-ministro Paulo Renato.
Apesar de ser o ‘pai da criança’, Paulo Renato hoje renega o filho.
A proposta atual, melhor formatada, foi apresentada
em 25 de março de 2009 pelo atual ministro da Educação, Fernando
Haddad, aos reitores das universidades federais. Para isso o atual Enem
seria modificado e ampliado, mas também não seria obrigatório. E nem
pode, pois as universidades têm constitucionalmente o direito de
definir os critérios de ingresso. Para o ministro a expectativa é de,
se houver um pacto com reitores, realizar o novo exame em 2009. O novo
ENEM teria questões de múltipla escolha de português, matemática,
ciências humanas e naturais, além de uma redação. (Com informações de
‘O Globo’, 25/03/2009)
O ministro Haddad disse que a proposta do novo Enem
veio para ficar e que 2010 pode ser o ano do enterro do vestibular.
Haddad afirma que o novo exame enfraquecerá o sistema dos cursinhos
pré-vestibulares, chamados por ele de “anomalia brasileira”, e
reestruturará o ensino médio. Os cursinhos, porém, começam a se adaptar
à novidade (Fonte: O Globo, 11/04/2009).
Mas o pensamento do ministro é singelo e, por que
não dizer, pueril. Quem garante que os cursinhos não vão se
especializar em preparar os alunos concludentes para obterem maiores
notas no ENEM e assim garantirem vagas nas melhores universidades?
Aliás, isso já vem acontecendo com o próprio ENEM e até com o Exame
para ingresso na Ordem dos Advogados do Brasil-OAB. Com isso, quem
dispõe de mais recursos para pagar os tais ‘cursinhos preparatórios’
obterá melhores notas e sempre terá maiores condições de escolha.
A Regionalização como ponto de inclusão
A discussão de outras formas para o ingresso na
Academia que não seja o vestibular vem sendo discutida há anos. O
Certame tem suas falhas. Mas também tem seus acertos e não pode ser
descartado. Afinal acabar com vestibular regionalizado para impor outra
prova similar e nacionalizada é quase o mesmo que trocar seis por meia
dúzia de cinco.
A questão da regionalização é primeira a ser
levantada. Como pode alguém ingressar em uma faculdade sem conhecer a
história e a geografia local? Esse é um ponto base e que os
vestibulares regionalizados, se bem conduzidos, tem de bom.
Um aluno do Rio Grande do Sul que faça vestibular
para a Universidade Federal do Acre tem de saber onde fica o município
de Jordão e que este tem o pior IDH do país, a qualagora ficou fácil,
com a cobertura televisiva. Isso e saber também que a maior parte dos
municípios acrianos tem um elevado percentual de sua população
dependente dos rios e um nível de desenvolvimento humano similar ao
daquela cidade, ou seja, pobres.
As universidades, em seu formato atual, são
regionalizadas e buscam formar técnicos para as demandas locais, ainda
que com uma visão global. Quem estudou pelo menos os três anos de
ensino médio no Acre saberá (ou deveria saber) dos problemas locais e
suas localizações.
Mas em um exame nacional seria impossível constar as
questões particulares de cada um dos 27 entes federativos, sejam elas
em história ou geografia ou ambas. Logo, esta parte tem de ser
regionalizada para que se obtenha os melhores resultados.
A diferença de níveis entre Estados e cidades
Ao fator localidade deve se somar a questão do baixo
nível do ensino nos Estados. É sabido que normalmente quanto mais pobre
o local mais precário o sistema de ensino. A prova disso é que o maior
IDH do Acre, a capital Rio Branco, tem uma nota geral média superior à
do Estado em quase dois pontos (vide tabela), mas ainda assim inferior
à média nacional.
O caso se agrava à medida que se compara Rio Branco
com as outras capitais brasileiras. Entre as capitais pesquisadas a
acreana fica quase cinco pontos atrás da paulista, cinco atrás da
goiana, quase seis de Campinas-SP e Curitiba-PR e 10 (DEZ) pontos atrás
da capital gaúcha (vide gráfico nº 01).
A diferença do nível de ensino é gritante. O
resultado de uma análise dessas é, a grosso modo, que a maior parte das
vagas nas universidades federais será dos Gaúchos. Os melhores
colocados deste Estado que não forem selecionados para as suas várias
universidades e CEFETs, podem vir para o Acre e expulsar os acrianos de
sua única universidade. E se não forem os gaúchos, poderá ser qualquer
um dos outros citados.
E como é de costume, após formados, retornam às suas
origens, deixando o local onde estudaram cada vez mais pobre, mas agora
naquilo que lhe é mais caro e que poderia representar a mudança: a
educação formal superior.
Os estados tanto quanto as suas capitais vivem
praticamente a mesma disparidade. Estados mais antigos e com um poder
aquisitivo maior têm, em média, escolas melhores e formam com mais
qualidade os seus alunos. O fosso, ainda que menor que o dos
municípios, é grande entre os entes da federação.
Dos estados analisados para este estudo o Acre tem a
menor média, abaixo de 50 (em cem possíveis), com dois pontos atrás de
Goiás, cinco de São Paulo e do Paraná e nove do Rio Grande do Sul. Para
confirmar os dados, vide tabela nº 02.
O resultado comprova a questão de haver maiores
investimentos por parte das regiões mais fortes economicamente. Isso
também revela que se houver uma prova baseada em conhecimentos gerais,
é muito maior a probabilidade de estes continuarem a receber notas
acima da dos outros.
E com isso as vagas nas universidades periféricas,
localizadas nos estados mais pobres da união, ficarão à disposição da
elite econômica, não representando um fator de mudança na comunidade
onde está inserida. Isso levará ao fechamento destas ou à perda da
condição de universidade, restando apenas escolas de terceiro grau ou
até mesmo o fechamento de algumas com passar dos anos.
Uma proposta
As universidades regionais precisam de mecanismos
que permita-lhes continuar a servir suas comunidades. Elas são (ou
deveriam ser) o fator de mudança das condições de vida de suas
localidades.
Para não se fugir da idéia da padronização do ensino
em âmbito nacional e ainda assim permitir o diferencial regional é
preciso inserir este naquele. Neste caso ocorreria a atribuição de 70
pontos para o ENEM, com sua forma nacional, e 30 pontos para as
questões de História e Geografia local.
Isso não inviabilizaria a um gaúcho cursar medicina
na UFAC, mas faria com que, ao menos, ele tivesse noção da
características da terra onde passará os próximos cinco ou seis anos.
Mas a questão não passa apenas por isso. Precisaria
de maiores garantias aos povos regionais para que estes pudessem galgar
os degraus do conhecimento e permiti-lhes obter o Grau. Nesse caso a
proposta seria a disponibilização de 80% das vagas para quem
comprovasse nascimento ou residência no local por um período mínimo.
Outros 10% seriam destinados aos moradores em Estados limítrofes e os
10% restantes seria disponibilizados a todos.
Mas é preciso lembrar ainda a questão das cotas, que
em nosso pensamento passa mais pela questão social que de raças (?) ou
gêneros. Assim, 60% das vagas seriam destinadas por demanda social
(razão inversa da renda familiar), com as 40% restantes para serem
disputadas pelos outros.
Democracia, inclusão e desenvolvimento
A fórmula de ingresso proposta permitiria que 48%
das vagas fossem destinadas para a população local com renda menor
(demanda social), 32% seriam disputadas pelo restante da população
(demanda local), com 10% para estados limítrofes e outros 10% para o
restante do país.
Se forem levadas em consideração as 1.900 vagas
oferecidas neste ano de 2009, isso representa dizer que 912 seriam
preenchidas por pessoas com menor poder aquisitivo, sendo que pelo
menos 1520 seriam preenchidas por acrianos (natos ou residentes),
ficando 190 para os Estados do Amazonas e Rondônia e outro tanto para o
restante do país.
Como a distribuição proposta é por curso, um com 40
vagas (Medicina) teria 19 acreanos com menor renda, 13 acreanos com
melhor renda, quatro vagas para os estados vizinhos e quatro para o
restante do país.
Em síntese, esta proposta permitiria manter as
universidades como agentes de mudança nos estados onde estão inseridas,
valorizando a questão local e respeitando de forma corretiva as
diferenças sociais. Ressalte-se que a proposta não é fechada, mas
apenas um ponto de partida em uma discussão que precisa ser ampliada,
principalmente com a sociedade.
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