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Notícias

Mecanismos pelos quais o cérebro percebe a passagem do tempo evocam princípios da física

22 de março de 2010
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Escrito porRedação

Ao longo da história, questões acerca da origem e

do significado da vida, da criação do Universo e livre-arbítrio têm

roubado o sono de filósofos e cientistas. A indagação sobre a natureza

do tempo, entretanto, parece ser o questionamento mais cotidiano e

familiar.

Considerado em suas diferentes acepções, o tempo está em toda

parte: no calendário da parede, nos diversos relógios que pautam nossa

vida, no nascer e no pôr-do-sol, nas fases da lua, nas estações do ano,

bem como em nós mesmos – quando sentimos fome ou sono durante o dia ou

testemunhamos no espelho as marcas da passagem dos anos.

Antiga

preocupação filosófica, mais recentemente o tempo passou a ocupar também

a mente dos cientistas, interessados em medi-lo e compreendê-lo. Para

enxergarmos com clareza suas múltiplas faces, é necessário encarar o

tempo igualmente sob múltiplos ângulos. O desafio depende de um esforço

conjunto do qual devem participar filósofos, físicos e neurocientistas.

Segundo resultados teóricos e experimentais da física moderna, a

velocidade da luz (e de qualquer onda eletromagnética) no vácuo é uma

constante, sendo também a velocidade limite que não pode ser superada

pela propagação de qualquer outro sinal.

Quando admiramos o céu em

noite estrelada, vemos algo que jamais existiu exatamente daquela

forma, porque cada estrela encontra-se mais perto ou mais longe da

Terra, portanto a luz de cada uma delas percorre uma determinada

distância em um tempo distinto. A luz das mais próximas viaja alguns

poucos anos, enquanto a das mais distantes leva bilhões de anos para

atingir nossas retinas. Muitas estrelas que vemos hoje já não existem –

explodiram e desapareceram há milhares ou milhões de anos.

Fábrica de Ilusões

Em uma escala de tempo muito menor, impulsos nervosos produzidos

pelos estímulos que nos rodeiam – e que vão se transformar em sons,

imagens, cheiros – também apresentam velocidade finita de propagação,

bem como diferentes tempos de processamento neural. Olhar, ouvir,

cheirar e sentir o mundo a nossa volta assemelha-se, portanto, a olhar

um céu estrelado: as sensações chegam ao cérebro em momentos

distintos, mesmo que tenham partido de um mesmo objeto no mesmo

instante. Com alguma prática, o cérebro torna-se hábil em juntar

estímulos assíncronos para fazê-los parecer simultâneos. Assim

percebemos – ilusoriamente – como síncronos a imagem de lábios que se

movem e o som da voz de quem fala.

A ilusão de uma consciência instantânea e simultânea aos estímulos

sensoriais que a evocam foi denominada “presente especioso” pelo

psicólogo e filósofo americano William James (1842-1910). James

considerava o presente ilusório não apenas pelo conteúdo temporal da

consciência surgir com atraso em relação ao mundo, ou por dar

coerência temporal a uma atividade neural inevitavelmente assíncrona.

Ele percebia o presente como uma sensação estendida no tempo,

possivelmente exigindo, de um lado, a reevocação de um passado recente

guardado na memória de curtíssimo prazo e, de outro, a expectativa de

um futuro iminente.

A finitude, tanto da velocidade da luz quanto da propagação da

informação no sistema nervoso, conduz a um segundo paralelo entre a

física e a neurociência do tempo: a relatividade da simultaneidade.

Segundo a teoria da relatividade proposta por Albert Einstein, se dois

eventos A e B (por exemplo, o piscar de duas lâmpadas) são vistos por

alguém como simultâneos, um segundo observador, em movimento

retilíneo uniforme em relação ao primeiro, poderá vê-los como não

simultâneos: a lâmpada A piscando antes da B se o observador estiver

se deslocando em um sentido, ou o contrário quando ele se mover na

direção oposta. Como ambos os observadores são totalmente

equivalentes, já que não existe um “éter” preenchendo o espaço ou algo

especial que torne absoluto algum local dele, as duas observações,

embora contraditórias, são legítimas e também equivalentes.

Da mesma forma, resultados obtidos em nosso laboratório na

Universidade de São Paulo (USP) e por outros pesquisadores demonstram

consistentemente que dois estímulos simultâneos – visuais, auditivos ou

tácteis – poderão ser ou não percebidos simultaneamente dependendo de

vários fatores psicofísicos, entre eles o foco de atenção. Em um

típico experimento de julgamento de ordem temporal (JOT), um

voluntário senta-se à frente do monitor do computador e fixa o olhar

em um ponto demarcado da tela, onde será apresentada uma rápida

sucessão entre dois estímulos visuais separados por certa distância.

Sua tarefa é relatar qual estímulo foi percebido primeiro. Se prestar

atenção ao local onde um dos estímulos será apresentado (mesmo que não

dirija o olhar àquele local), as chances de que ele o perceba antes do

outro estímulo são muito maiores, mesmo que ambos sejam simultâneos.

Nesse caso, a alocação da atenção a um ou outro estímulo teria papel

equivalente à mudança do referencial inercial do qual se faz a

observação da ordem dos eventos – tal como enunciado pela teoria da

relatividade.

Não apenas a ordem e a simultaneidade de dois eventos podem ser

relativas para a física e as neurociências, distâncias espaciais e

intervalos temporais também são. Segundo a teoria da relatividade, o

comprimento de um objeto ou a duração de um evento serão relativos ao

referencial inercial em que se encontra o observador. Se ele estiver em

movimento em relação ao objeto, seu comprimento será menor se

comparado ao mesmo objeto medido por um observador estacionário. O

fator de contração é dado pelas equações de transformação de Lorentz .

Contração semelhante ocorre quando um observador, cujo referencial

inercial está em movimento em relação a um evento, mede a duração

deste e compara o resultado com o do observador estacionário.

Experimentos psicofísicos semelhantes ao JOT mostram que a percepção

de duração é relativa também ao estado do observador.

Fisiologicamente, a incerteza de um julgamento temporal aumenta com a

duração do intervalo julgado. Esse resultado, denominado propriedade

escalar da percepção de tempo, parece decorrer de um fenômeno

psicofísico mais geral, conhecido como lei de Weber (proposto por

Ernst Weber, em 1831), segundo o qual para percebermos que um dado

estímulo sensorial sofreu variação, o acréscimo (ou decréscimo) mínimo

necessário deve ser proporcional à magnitude inicial do estímulo

original. Isso talvez ajude a entender por que o tempo parece passar

cada vez mais depressa à medida que envelhecemos.

Todos nós também já experimentamos a sensação de o tempo “voar”,

quando estamos em lugares ou situações agradáveis, ou de se

“arrastar”, nos momentos em que esperamos com ansiedade algo acontecer.

Novamente, parece ser a atenção que prestamos à sucessão de eventos em

curso o fator determinante de nossa experiência temporal. Vários

estudos demonstram que a duração de um estímulo sensorial, tal como

percebida por um observador, é fortemente influenciada pela atenção

que ele dispensa ao estímulo.

A percepção temporal pode ser alterada também pela ação de drogas ou

doenças que provavelmente modificam circuitos neurais cuja atividade

determina nossa capacidade de julgar a duração de um intervalo

temporal ou a ordem de dois eventos. A doença de Parkinson, por

exemplo, caracteriza-se pela disfunção em certas via neurais que

utilizam dopamina como neurotransmissor. Os pacientes manifestam

comprometimento da organização temporal de ações motoras e nítido

prejuízo no desempenho de tarefas que requerem exclusivamente a

percepção de intervalos de tempo. Resultados de nosso laboratório

mostram que pacientes com Parkinson exibem significativa redução da

precisão no julgamento da ordem temporal de dois eventos visuais,

quando comparados a voluntários saudáveis da mesma idade.

Podemos novamente estabelecer um paralelo entre a mudança de

referencial em que medidas de intervalos temporais são realizadas e a

modificação na atividade de circuitos neurais responsáveis pela

codificação do tempo, seja pela modulação fisiológica exercida pela

atenção, seja pela interferência de fármacos ou por doenças. Em ambos

os casos, o intervalo temporal medido fisicamente ou percebido

fisiologicamente é relativo ao referencial em que se situa o

observador.

Setas do Tempo

Podemos dizer que, em essência, somos as nossas memórias. Aquilo

que declaramos e contamos compõe a chamada memória declarativa, da qual

fazem parte fatos sobre o mundo e sobre nossas próprias experiências.

Estima-se que mais da metade das conversações adultas se refiram a

eventos passados ou futuros, e essa habilidade de “viajar no tempo”,

acreditam muitos neurocientistas, é exclusiva do ser humano. É

possível que seu aparecimento tenha sido um passo decisivo no processo

evolutivo da espécie. Viajando no tempo, entre memórias e projetos,

podemos reavaliar experiências passadas, com suas possíveis causas, e

ponderar cenários futuros, com suas eventuais conseqüências, o que

aumenta a probabilidade de optarmos por decisões e ações mais

adaptativas.

Entretanto, existe nítida assimetria entre a memória de um evento

passado, cristalizado e único em sua realidade, e a expectativa de um

evento futuro, aberto e múltiplo em suas potencialidades.

Em meados do século XX, o matemático austríaco Kurt Gödel obteve

uma solução para as equações do campo gravitacional propostas por

Einstein na teoria da relatividade geral. Segundo ele, seria possível,

sob certas condições, a existência de órbitas fechadas ao longo do

espaço-tempo quadridimensional, o que significa que um objeto, em uma

viagem ao longo dessa trajetória, voltaria no tempo. Tais resultados

trazem à tona o relevante papel desempenhado pelo conceito de

causalidade na ciência.

Esse aspecto se torna mais claro com o exemplo do astronauta que,

viajando ao longo de uma alça fechada do espaço-tempo, retorna ao

passado e, por descuido, provoca um acidente que mata a própria mãe,

ainda jovem, antes mesmo de ter sido gerado por ela. Embora muito

próximos da ficção científica, tais argumentos baseiam-se em

resultados físicos rigorosamente formulados.

Para David Hume, filósofo escocês do século XVIII, a crença na relação

causal entre dois eventos decorre apenas do fato de nos habituarmos a

vê-los numa dada ordem temporal. Daí viria a sólida, porém ilusória,

idéia de que toda conseqüência é precedida de uma causa. No século XX,

Hans Reichenbach teceu o conceito de “cadeias causais” para ordenar

eventos no tempo. Seguidos em determinado sentido, os eventos

ordenam-se de acordo com um princípio de “causalidade”; no sentido

oposto, ordenam-se segundo uma “finalidade”. A definição de um sentido

do tempo (a chamada seta do tempo) ou a escolha da causalidade em

detrimento da finalidade é, na visão do filósofo da ciência alemão,

uma conseqüência da segunda lei da termodinâmica, segundo a qual a

entropia (ou, intuitivamente, o grau de desordem) de um sistema isolado

tende a aumentar. O aumento da entropia definiria, portanto, o sentido

da seta do tempo.

Quando assistimos a um filme em que cacos de vidro espalhados no chão se

aproximam uns dos outros e finalmente se juntam, sabemos

imediatamente que ele está sendo projetado de trás para frente. Do

ponto de vista termodinâmico, a desordem (entropia) do copo aumenta

quando ele se quebra, espalhando cacos pelo chão. O aumento da

entropia seria uma indicação segura da direção do tempo, que jamais

retrocederia pelas mesmas razões pelas quais a entropia não poderia

diminuir. Há, no entanto, problemas sutis nesse raciocínio, detectados

pela primeira vez no final do século XIX pelo físico austríaco Ludwig

Boltzmann.

Em minuciosa análise termodinâmica, Boltzmann notou que, partindo de um

instante no tempo, a entropia de um sistema deve aumentar tanto em

direção ao futuro quanto em direção ao passado. Ou seja, a seta do

tempo teria duas pontas. Para observarmos hoje o aumento da entropia,

como prescrito pela segunda lei da termodinâmica, ela precisaria

necessariamente ser menor no passado remoto. Logo, o problema da seta

do tempo, na física, parece implicar considerações cosmológicas,

remontando a condições termodinâmicas que caracterizaram a origem do

Universo. Sob o prisma das neurociências, a assimetria entre eventos já

registrados e aqueles ainda por serem gravados em nossa memória parece

oferecer, ainda que sem rigor matemático, uma distinção satisfatória

entre passado e futuro (e qual deles deve acontecer primeiro).

O ato de observar e medir um evento passou a fazer parte da física

com o advento da mecânica quântica, segundo a qual observador e

observado acoplam-se, indissociavelmente, na mensuração de um dado

estado físico (descrito por uma função de onda). Muitos filósofos e

físicos acreditam que o tempo perceptivo registrado por um observador

possa, portanto, ter papel relevante na determinação da seta do tempo.

O físico britânico Paul Davies acredita que o fluxo do tempo é

resultado de um processo subjetivo, a ser explicado pelas neurociências e

não pela física. Pelo menos duas interessantes conexões existem entre

os objetos de estudo das duas disciplinas. A primeira é aquela, já

mencionada, que vincula um observador consciente ao fenômeno por ele

observado. É o ato da observação que transforma as probabilidades

descritas pela função de onda em um valor ou estado físico definido e

único. Nas palavras de John Wheeler, importante físico americano do

século XX: “nenhum fenômeno elementar é um fenômeno até que ele seja

um fenômeno observado ou registrado.” A segunda conexão entre física e

neurociências é a semelhança matemática e conceitual existente entre a

definição de entropia, proposta por Boltzmann, e a definição de

informação, que o matemático americano Claude Shannon apresentou em

meados do século XX. A entropia seria uma medida de nossa ignorância

sobre um sistema, sendo a aquisição de informação sobre ele o

equivalente a uma redução de sua entropia (negentropia). O atrativo

dessa analogia é que, enquanto entropia é um clássico ingrediente de

formulações termodinâmicas, informação é a matéria prima, por

excelência, da atividade neural.

Percepção do Tempo

Pouco depois do surgimento da teoria da relatividade, o professor

de matemática de Einstein, Hermann Minkowski, propôs uma formalização

em que tempo e espaço passam a fazer parte de uma única estrutura

geométrica. Formada pela fusão de três dimensões espaciais e uma

temporal, essa estrutura é conhecida desde então como espaço-tempo

quadridimensional. Embora mantenha suas peculiaridades, espaço e tempo

devem, de acordo com a relatividade, ser considerados em conjunto,

oferecendo um arcabouço único para a descrição dos eventos físicos.

Nossas percepções de espaço e tempo também não existem de forma

independente, e tarefas perceptivas que exigem julgamento

espaço-temporal possuem longa história nas neurociências. Em 1796, o

astrônomo real do observatório de Greenwich, Reino Unido, despediu seu

assistente em razão das constantes discrepâncias, da ordem de vários

décimos de segundo, na observação do trânsito estelar. As observações

exigiam o julgamento, em relação a um ponto de referência no

observatório, da localização de uma estrela em um exato instante de

tempo marcado pelo tique-taque audível de um relógio. A precisão

dessas observações era crítica para as medidas astronômicas, o que levou

o problema para os laboratórios sob a forma de procedimentos que

ficaram conhecidos como experimentos de complicação, idealizados pelo

pai da psicologia fisiológica, Wilhelm Wundt. Tais experimentos

implicavam a comparação simultânea de estímulos em movimento contínuo e

estímulos de apresentação súbita.

Reportar a localização de um dado objeto em movimento no exato

instante em que um outro evento ocorre é, genuinamente, uma tarefa

espaço-temporal. Não só um julgamento espacial deve ser realizado

simultaneamente a um julgamento temporal, as percepções de espaço e

tempo podem – e talvez devam – compartilhar circuitos neurais que são

superpostos quanto a esse processamento.

Mais recentemente, o interesse em experimentos de complicação foi

reavivado pela descoberta de uma ilusão visual simples, porém ainda

muito controversa: o efeito flash-lag. Um objeto em movimento é

percebido como se estivesse à frente de sua real posição no instante

em que um evento, que ocorre subitamente, é utilizado como referencial

no tempo.

Muito se tem debatido sobre as origens neurofisiológicas desse

fenômeno, mas um aspecto que demonstramos com alguma segurança é sua

modulação por fatores atencionais: a magnitude do efeito flash-lag

aumenta ou diminui à medida que prestamos menos ou mais atenção aos

estímulos em questão (o que pode parcialmente explicar a tendência dos

árbitros auxiliares, em partidas de futebol, de indicar impedimentos

inexistentes). A modulação atencional de uma ilusão que implica a

percepção de tempo e espaço sugere, mais uma vez, que a atenção entra

em cena como uma espécie de “mudança de referencial”, no qual eventos

espaço-temporais tomam parte.

Uma das razões pelas quais as percepções de tempo e espaço talvez se

fundem em uma mesma estrutura espaço-temporal é que a determinação

subjetiva de tempo possa depender mais de “como” é representada pelo

sistema nervoso, e menos de “quando”. Steven Hillyard, da Universidade

da Califórnia, mostrou recentemente que a modulação atencional da

percepção de ordem temporal, produzida por dois estímulos sonoros, era

codificada por variações nas amplitudes de potenciais elétricos

observados nos respectivos circuitos neurais envolvidos, e não por

suas latências ou qualquer outra variável temporal. Portanto, espaço e

tempo não são traduzidos necessária e respectivamente por códigos

espaciais e temporais, mas ambos poderiam ser representados pelo

sistema nervoso como códigos neurais que nada têm a ver diretamente

com as características espaciais e temporais daquilo que representam.

Esses mecanismos sugerem um análogo neural, ainda que metafórico, ao

espaço-tempo físico.

Blocos de Tempo

Heráclito de Éfeso, que viveu na Grécia entre os séculos VI e V

a.C., via o Universo como um processo contínuo de mudança: “todas as

coisas estão em perpétuo estado de fluxo”. Um de seus mais famosos

aforismos diz que “no mesmo rio entramos e não entramos, somos e não

somos”. Ou seja, não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio, pois na

segunda vez as águas do rio – em perpétuo fluxo – já não serão as

mesmas, assim como nós mesmos já teremos mudado.

No entanto, o escrutínio filosófico e as formalizações físicas não

conseguem determinar a existência de um fluxo temporal único, contínuo

e objetivo. Não há resposta para certas perguntas, por exemplo, “qual

a velocidade do tempo?” (exceto, talvez, para uma personagem do

escritor português José Saramago, que afirma que o tempo passa a uma

velocidade de 60 minutos por hora). Esse incômodo beco sem saída tem

levado à concepção do tempo como um bloco. O espaço-tempo de Minkowski

conteria toda a eternidade: passado, presente e futuro mapeados nesse

bloco único. Embora a sensação de um “agora” desempenhe papel central

em nossa vida, a intuição é subvertida por concepções relativísticas,

segundo as quais todos os instantes desse “tempo blocado” são

igualmente reais. O fluir do tempo, do passado ao futuro, passando

pelo “agora” que nitidamente sentimos, surgiria em nosso cérebro como o

resultado de fazermos, ativa e conscientemente, uma observação desse

bloco espaço-temporal. Essa observação então corresponderia, para cada

observador, a uma fatia do bloco, que contém a cota de espaço que

chamamos “aqui” e o instante de tempo que chamamos “agora”.

Essa visão física se aproxima da concebida por Platão no século IV

a.C. Em um de seus famosos diálogos, Timeu, o tempo seria uma “imagem

móvel da eternidade”. Já a concepção neurocientífica nos leva ao

pensamento de Santo Agostinho, que viveu oito séculos mais tarde, para

quem passado e futuro não existem. Quando olhamos para o passado, ele

já se foi: é uma memória. Quando procuramos o futuro, ele ainda não

chegou: é uma expectativa. Portanto, somente o presente existe, conclui o

filósofo. O tempo seria uma criação da mente humana – quando medimos

uma extensão temporal, estamos na verdade medindo memórias do passado e

expectativas do futuro. Santo Agostinho é o primeiro pensador

ocidental a destacar claramente o caráter subjetivo do tempo.

É possível que as múltiplas faces do tempo tenham individualidade

própria. E que os múltiplos “tempos” tenham, portanto, de ser tratados

de forma particularizada ou independente, pelo respectivo nível

descritivo que o aborda. Seria preciso considerar por exemplo as

diferentes naturezas da “fibra” do tempo, com a qual seriam tecidos,

em diferentes planos, os múltiplos e distintos tempos físico,

biológico, neural e social. Enquanto isso, continuaremos a enfrentar o

desafio de compreender como o tempo flui através da mente, já que,

fora dela, o rio de Heráclito existe, mas está congelado

Tempo nas neurociências

O surgimento de mecanismos neurais que processam o tempo foi

essencial para nossa evolução. O controle neural do tempo é crucial

para atividades cuja escala varia entre milésimos de segundo a

décadas. São elas: regulação de funções vegetativas e de comportamentos

que oscilam periodicamente (ritmos biológicos); funções motoras nas

quais a seqüência e coordenação de movimentos exigem grande precisão

temporal, da ordem de milissegundos; percepção de sucessão, ordem,

intervalos e durações temporais, que se estendem de frações de segundo

às memórias que construímos ao longo da vida.

Em seres humanos e outros animais, o processamento neural do tempo tem

sido abordado por meio de técnicas como ensaios comportamentais,

análises moleculares, métodos eletrofisiológicos, farmacológicos,

clínicos e de neuroimagem. Os resultados mais recentes indicam que

diferentes módulos neurais participam dos diversos tipos de

processamento temporal, dependendo da escala de tempo e da natureza da

tarefa.

Ritmos circadianos, por exemplo, operam em períodos de 24 horas,

determinando comportamentos tais como o ciclo vigília-sono e a

alimentação. Seu controle depende de circuitos neurais localizados no

núcleo supraquiasmático do hipotálamo, que oscilam sob a influência de

ritmos externos, como o ciclo claro-escuro produzido pela rotação

diária da Terra. Ritmos biológicos, produzidos endogenamente por

osciladores neurais, são extremamente úteis no ajuste homeostático e

na sincronização de comportamentos aos ritmos exógenos gerados pela

natureza periódica de rotação e translação do planeta.

Estudos recentes mostram a existência de dois outros sistemas neurais,

relativamente independentes, do processamento temporal. O primeiro é

um sistema automático do qual participa o cerebelo, opera na escala de

milissegundos e se relaciona à marcação temporal de eventos discretos

(descontínuos). O segundo sistema relaciona-se a eventos contínuos, é

controlado por mecanismos cognitivos e atencionais e envolve os

núcleos da base e várias áreas corticais no processamento de eventos

temporais cuja escala de tempo iguala ou supera um segundo.

Observações clínicas sugerem que lesões cerebelares comprometem

aspectos temporais determinantes da transição de estados motores,

enquanto lesões dos núcleos da base comprometeriam, temporalmente, a

transição de estados atencionais. Esses núcleos subcorticais parecem

estar envolvidos, junto com circuitos dos córtices pré-frontal e

parietal posterior, na representação cognitiva de números, seqüências e

magnitudes. Dessa forma, áreas neurais comuns participariam de

tarefas cuja essência são contagem e o ordenamento, seja temporal,

seja numérico. Um possível papel dos núcleos da base seria o de

monitorar a atividade que circula entre eles, o tálamo e o córtex

cerebral, agindo como detectores de coincidência que controlam o fluxo

de informação.

O Tempo na Física

Um dos pilares da física moderna é a obra monumental de Isaac

Newton (1642-1727). Em um mesmo modelo teórico, Newton concebeu um

sistema mecânico que unificou a física dos corpos em movimento – de

maçãs caindo de árvores a órbitas de luas e planetas. A metafísica de

Newton adotava a visão de tempo e espaço absolutos. Em relação ao

espaço, ele defendia uma forma de “substantivalismo”, de um espaço

como “substância” – visão oposta ao “relacionismo” adotado por

Leibniz, seu contemporâneo. Newton percebeu que, em relação ao espaço

absoluto, um movimento uniforme, com velocidade constante, exigiria o

fluir de um tempo absoluto. Como afirmou em sua obra Principia

mathematica, “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si mesmo, e

por sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com nenhuma

coisa externa. […] Todos os movimentos podem ser acelerados ou

retardados, mas o fluxo do tempo absoluto não é sujeito a nenhuma

mudança”.

Assim, um único “agora” preencheria todo o espaço, desde o local em

que você, leitor, se encontra lendo essas páginas, até uma estrela

distante, na borda da galáxia ou nos confins do Universo. Embora tenha

despertado o questionamento crítico de alguns físicos e filósofos,

essa cosmovisão persistiu por mais de 200 anos, e ainda hoje se

encontra entranhada nas concepções de muitos de nós. Em meados do século

XIX, James Clerk Maxwell colocou, ao lado da mecânica de Newton, uma

síntese do eletromagnetismo igualmente unificadora, que expressava,

por meio de quatro elegantes equações, todo um conjunto de resultados

empíricos relativos a fenômenos elétricos e magnéticos. Com base nas

equações de Maxwell, e em experimentos muito precisos realizados no

final do século XIX, mostrou-se que a velocidade de uma onda

eletromagnética (e, portanto, da luz) no vácuo, era a mesma em

qualquer direção: pouco mais de 1 bilhão de km/h. Os resultados

conduziram a uma inconveniente contradição entre essas duas teorias

físicas – as mais bem-sucedidas até então.

O início do século XX foi marcado por abalos que dilaceraram os

alicerces da física clássica. Personagem principal desse fecundo

capítulo da história da ciência, Albert Einstein (1879-1955)

protagonizou a demolição da física newtoniana. Com suas teorias da

relatividade (a especial, de 1905, e a geral, de 1916), propôs um

modelo de Universo no qual espaço e tempo não são independentes nem

absolutos, mas se fundem em um único espaço-tempo quadridimensional,

em que uma onda eletromagnética propaga-se com velocidade constante em

relação a qualquer referencial inercial em que seja medida. Como

conseqüência da constância da velocidade da luz, conceitos temporais

como simultaneidade e duração ou espaciais, como distância e

comprimento, tornam-se relativos a um dado referencial inercial. Com as

teorias de Einstein, a unidade e a coerência da física foram

preservadas e, de quebra, uma visão radicalmente nova do universo

tomou o lugar das concepções usuais de espaço e tempo.

Para conhecer mais

O Tecido do Cosmo. Brian Greene, Companhia das

Letras, 2005.

Time. Philip Turetzky, Routledge, 1998.

What makes us tick? Functional and neural mechanisms of interval

timing. C. V. Buhusi e W. H. Meck, em Nature Reviews

Neuroscience, vol. 6, págs. 755-765, 2005.

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